quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Escândalo no HPM: Médicos ganham até R$ 23 mil, mas trabalham menos do que deveriam





Os profissionais, oficiais da PM, ainda se beneficiam de um adicional que aumenta em 25% os seus vencimentos

Com salários que chegam a quase R$ 23 mil, médicos do Hospital da Polícia Militar do Espírito Santo (HPM) não estão cumprindo as horas de trabalho estipuladas por lei e ainda se beneficiam de um adicional que aumenta em 25% os seus vencimentos. Parte desses profissionais acumula funções em outros hospitais, clínicas e consultórios particulares. Há casos até de quem  tenha cinco empregos. A situação levou o governo do Estado a fazer uma intervenção na Diretoria de Saúde da corporação e no hospital, administrado por ela. O  gestor foi afastado.
O decreto, assinado pelo governador Renato Casagrande, foi publicado ontem no Diário Oficial. Agora, a  direção do hospital está nas mãos do corregedor da Polícia Militar, coronel Marcos Celante, que 90 dias para identificar os problemas existentes na unidade. Além da intervenção, foi determinado que todos os funcionários do hospital, de oficiais a praças, cumpram 40 horas de trabalho por semana.
Investigação
A exigência veio após a constatação de que as escalas de trabalho no hospital apresentam indícios de fraude. “Com violação aos princípios da administração pública, como legalidade, moralidade e eficiência”, diz o texto da investigação realizada pela Polícia Militar que descobriu as irregularidades – e a que A GAZETA teve acesso. O documento é assinado pelo comandante da corporação, coronel Ronalt Willian.
Um total de 107 profissionais de saúde atua no HPM. São médicos, dentistas, enfermeiros, veterinários e farmacêuticos-bioquímicos que também são oficiais militares, com patentes que vão de capitão a coronel. Eles recebem salários que variam de R$ 6 mil a R$ 23 mil. A equipe comanda cerca de 500 funcionários, entre civis e militares,  no hospital.
No ano passado, foi gasto R$ 1,4 milhão com pagamento de escala extra de serviço. A legislação militar diz que eles teriam que trabalhar 40 horas semanais para terem  direito a mais seis horas semanais – na chamada escala extra – e assim conquistar acréscimo de 25% em seus salários.
O problema, segundo as investigações da PM, é que os oficiais do hospital trabalham menos do que o exigido por lei. Mesmo assim, 72,9% deles lançaram mão da escala extra de serviço, em plantões também duvidosos, para garantir o acréscimo dos salários.
Conflito
O quadro agrava-se quando foi analisada a situação dos médicos. Eles podem acumular outros cargos se não houver conflito entre os  horários. Mas destaca o texto da investigação: “Mesmo com plantões, fica difícil esses militares exercerem outro emprego, por flagrante incompatibilidade de horário”.
Levantamento realizado por A GAZETA constatou que quase todos os médicos do HPM  possuem mais de um emprego. Um deles é o diretor afastado do hospital, Jorgean Grego Gonçalves, que realiza, em seu consultório particular, atendimentos três vezes por semana. Mas há casos de profissionais que chegam a ter cinco empregos.
Diante desse tipo de situação, a constatação da investigação feita pela Polícia Militar é de que “estão sendo construídas escalas que não correspondem à realidade do serviço prestado com o intuito de apenas se completar a  carga horária prevista”.
Exemplos
Para demonstrar o que vem ocorrendo,  são citados, no relatório, outros exemplos de irregularidades. Em um deles é questionada a necessidade de sete oficiais dentistas no plantão de uma escala extra para atendimento a raio-x.  “Existe demanda  para tantos operadores de raio-x em um único dia?”. Há ainda a situação em que os dentistas dos batalhões se apresentam como supervisores deles mesmos, já que são os únicos dentistas da unidade.
A investigação conclui que o que vem ocorrendo no HPM “não atende ao interesse público” e está causando prejuízo  aos próprios policiais militares que dependem  do serviço prestado pelo hospital. 
Até diretor do hospital atende em consultório

Durante as  tardes, em  três dias da semana,  o ortopedista e traumatologista Jorgean Grego Gonçalves atende em sua clínica particular localizada na Praia do Suá, em Vitória. Essa atividade ele   exercia em paralelo à função de diretor do Hospital da Polícia Militar (HPM) e da Direção de Saúde da corporação até ontem, ao ser afastado por decisão do governo do Estado.

OUÇA DIÁLOGO ENTRE REPÓRTER E FUNCIONÁRIA DE CONSULTÓRIO ONDE O DIRETOR ATENDE FORA DO HPM
No HPM, segundo investigação realizada pelo Comando da Polícia Militar, todos os médicos precisam trabalhar 40 horas semanais. Algo que, segundo Jorgean, não é incompatível com os horários de seu consultório particular – onde atende às segundas, às terças e às sextas, das 14h  às 18h. “Ajusto de acordo com as necessidades do que posso exercer”, assegura Grego.
Prontidão
Ele acrescenta que há anos cumpre no hospital um horário bem superior às 40 horas semanais exigidas por lei. “Sempre fiquei de prontidão, até nos fins de semana e feriados,  dando assistência a todos os militares que precisaram. Sempre tive responsabilidade com o que faço”, afirmou o ex-diretor.
De acordo com Grego,  o HPM precisa passar por uma reestruturação que contemple também a ampliação do quadro de médicos. Ele destaca que, hoje, a unidade conta com 35 profissionais dos mais de 70 que  chegou a ter no passado. E muitos deles, garante o ex-diretor, já estão em vias de se aposentar.
Diante dessa situação, afirma o médico, se ele pressionar os que ainda permanecem na unidade corre o risco de perdê-los. “Se faço pressão excessiva em um ou outro, que não cumpre completamente a escala, mas que atende os pacientes. A tendência, com  base no que já aconteceu no passado, é eles pedirem baixa  dos quadros da corporação. Se isso acontece, corro o risco de fechar as portas”, assinala, sobre o HPM.
Não cumprimento
Grego não acredita em não cumprimento das escalas de trabalho. Avalia que é preciso saber interpretá-las diante das diversas atribuições que um profissional da saúde exerce dentro do hospital. “Há casos em que se trabalha até mais”, pontua.
Para evitar que este tipo de situação ocorra, explica, existem mecanismos de punição. “Temos procedimentos administrativos com punições rigorosas na polícia”, acrescenta.
Discussão
Na avaliação dele, a questão do não cumprimento de escalas por parte dos médicos  está sendo utilizada para encobrir uma discussão mais importante e que passa por investir e reestruturar o HPM – como em outros hospitais públicos – ou entregá-lo para a administração privada.
“Isso é evidente. Já acontece com o novo hospital, o Jayme Santos Neves; com o Central,  o dos Ferroviários, o Evangélico. É uma política macro que não tem nada a ver com escalas. Se fosse isso, teríamos que fechar todos os hospitais no Brasil,  onde essa situação é frequente.”

FONTE – A GAZETA

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